Inovações e desafios da nova Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública
A nova Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública, que entrou em vigor em abril de 2021, substitui a conhecida Lei 8.666. Também revoga a Lei do Pregão e parte da Lei sobre o regime diferenciado de contratação. Entretanto, a troca da antiga legislação pela mais recente não ocorrerá bruscamente.
As normas anteriores serão revogadas no prazo de dois anos. Até lá, a administração pública poderá optar em utilizar a Lei 8.666/93 ou a Lei 14.133/21 para realizar uma licitação. Há apenas uma exceção. A parte criminal saiu da Lei de Licitações e foi direcionada ao Código Penal. Portanto, quando ocorrer crime licitatório, é aplicado imediatamente o que consta no Código sobre o tema.
Em meio a novas regras, inovações, manutenção de normativas, muitas são as dúvidas em torno da nova legislação. Embora uma parte tenha sido esclarecida pelo Procurador do Estado de Pernambuco, Danilo Almeida, no 2º Congresso Brasileiro Virtual de Procuradores Municipais (CBVPM), outras ainda restaram. A forma de responder algumas delas foi conversar com o Procurador sobre a experiência da PGEPE com a nova legislação.
Experiência da PGEPE com a nova Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública
Em Pernambuco, o Governo do Estado instituiu um Comitê Técnico para avaliar quais aspectos da nova lei precisam ser regulamentados em âmbito Estadual. Segundo o Procurador Danilo, os municípios também precisam identificar o que cabe a eles regulamentar, dentro da realidade da administração pública municipal.
Isso denota como a legislação detém recortes para cada ente da Federação. Para esse entendimento ser mais claro, o Procurador recorre a uma representação: “A Lei é como uma moldura, feita pela União. Dentro dessa moldura, os estados e municípios têm de verificar o que cabe, ou seja, quais são as regulamentações necessárias dentro das suas realidades”.
Danilo Almeida não esconde que a nova Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública detém muitos desafios. Por outro lado, afirma que a legislação demonstra uma preocupação genuína com o bem-estar social, como é possível verificar na entrevista.
A Procuradoria realizou algum estudo prévio para aplicar a nova Lei de Licitações e contratos antes de a legislação entrar em vigor?
Danilo Almeida – Na Procuradoria de Pernambuco há um grupo de estudos permanente. Nesse grupo, avaliamos os impactos nas contratações públicas estaduais. Também realizamos um trabalho de entendimento da Lei. É uma necessidade das Procuradorias ter Procuradores em constante atualização sobre os temas em voga e que serão aplicados nos processos em curso.
Você mencionou os impactos nas contratações públicas estaduais. Quais são esses impactos?
Danilo – A nova Lei de Licitações impõe um grande desafio. São três os aspectos que devem ser analisados. O primeiro é o aspecto da qualificação. A Lei é muito grande. Possui quase 200 artigos, detém abrangência nacional, aplica-se aos municípios e não somente à União. É preciso fazer os servidores compreenderem essas novas tecnologias.
Também, um trabalho grande por parte das Procuradorias são as regulamentações. Cada ente precisa entender o que cabe somente à União tratar e o que cabe aos estados e municípios. Então, os entes federados têm de avaliar, dentro da Lei, o que não é norma geral para avançar no sentido das regulamentações, conforme a estrutura administrativa.
Um desafio para todos é dispor dos softwares necessários para conduzir esses processos, como a virtualização dos processos licitatórios. Todas as modalidades serão preferencialmente eletrônicas e os sistemas precisam estar adaptados para atuar com essas novas modalidades e processá-las de forma eletrônica. Isso irradiará efeitos também para os contratos. Não se trata de um movimento exclusivo das licitações.
Essa questão da virtualização dos processos licitatórios tem muita relação com o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), certo? O que pode nos dizer a respeito desse Portal?
Danilo – O Portal Nacional de Contratações Públicas é também desafiador para congregar as publicações dos avisos de licitação de todos os entes da Federação, pelo tamanho do portal, sua importância e cruzamento de informações.
A nova Lei dissemina uma nova cultura, mas não dá para conceber que será aplicada da mesma forma pela União e por um pequeno município. A União tem grandes técnicos que conseguem tirar as ideias do papel para implementar na prática. Quantos municípios tem condições de implementar medidas de planejamento? Não vai ser um movimento fácil.
Como o Estado de Pernambuco tem se organizado em relação às regulamentações sobre as quais falou?
Danilo – Em Pernambuco, formamos um Comitê Técnico para avaliar quais aspectos da nova Lei precisam ser regulamentados. Não vamos aplicar imediatamente a nova Lei, salvo em casos especiais, até que consigamos avançar na compreensão do que é a nova Lei em termos de regulamento e como convergi-la com o que é a administração pública na prática. Esse é um movimento que tem acontecido em outros estados, como no estado do Paraná e de São Paulo. Estamos tentando conversar em termos de estado para que o trabalho de uma Procuradoria possa ser aproveitado por outra.
Certo. Os estados conseguem se estruturar dessa forma. Mas como ficam os municípios?
Danilo – A missão dos entes federados é olhar a Lei e identificar o que é norma geral, pois a competência para legislar é da União, já o que é norma específica, é preciso adequar à realidade de cada um. Então, cabe aos municípios dizer como devem funcionar as regulamentações, por exemplo, na realidade em que estão inseridos. Torná-las mais próximas do que é o serviço público.
Uma de suas afirmações é a de que a nova Lei de Licitações e Contratos exige a inserção e aceitação de novas tecnologias no serviço público. De que tipo de tecnologias estamos falando?
Danilo – Refere-se à discussão em relação ao Portal Nacional de Contratações Públicas. Em tese, a Lei está vigente e já poderia começar a produzir efeitos. É uma mudança significativa em termos de tecnologia e equipamento, a qual sequer a União estava preparada para a aplicação imediata.
O Ministério da Economia, hoje, realiza entregas gradativas de versões do Portal. Com isso, a União já consegue publicar e fazer dispensas eletrônicas, por exemplo. Dispensa-se licitação nas contratações de R$ 50 mil e R$ 100 mil, conforme for o caso. Isso chamou a atenção dos municípios, mas ainda é um obstáculo a falta de regulamentação sobre como isso deve funcionar de fato.
No quesito governança, a Softplan é uma das empresas fornecedoras de sistema que, em alguma medida, confere transparência e nos permite ter um controle maior do processamento dos contratos. É um grande desafio e há Procuradorias que não dispõem de estrutura. Essas terão dificuldade para se estruturar.
Então, a nova Lei de Licitações e Contratos exige investimento na área de Tecnologia da Informação, contudo, esse não é o único tipo de tecnologia demanda pela legislação. É isso?
Danilo – Há as tecnologias contratuais, ou seja, dentro dos contratos existem as tecnologias jurídicas que vão demandar preparo porque a nova Lei aproxima as contratações que são do dia a dia, desde a compra do papel, de licitações como as de contratos de concessão de uso de bem público.
Grande parte das decisões a serem tomadas exigirão conhecimento de teorias econômicas. Para um gestor público que entende pouco até mesmo sobre os conceitos básico, é realmente preocupante como se dará a implementação da nova Lei.
Como avalia todas essas inovações propostas na nova Lei de Licitações e Contratos?
Danilo – A Lei traz boas novidades, ao passo que exige governança e planejamento. Significa que há uma preocupação com o bem planejar e em facilitar a vida do gestor. Isso é visível na questão da ampliação de contratos, por exemplo. Desse modo, consegue-se racionalizar a atividade da administração pública.
Os contratos de fornecimento, por exemplo, podem chegar a ser de 10 anos. Então, ao invés de todo ano se fazer um processo licitatório para realizar uma compra de coisas básicas como um medicamento, pode ser feito apenas um processo e, mediante a comprovação de que o contrato se mantém econômico, prorrogá-lo por até uma década. Isso é um facilitador operacional para a administração.
Uma das vertentes interessantes, também, é a preocupação com as entregas. Isso é percebido na nova roupagem conferida ao regime de nulidade dos contratos administrativos pela nova Lei. Agora, pela legislação, o contrato só termina quando o escopo é concluído. Então, um contrato que antes tinha como propósito a construção de um prédio e que deixaria de ser prorrogado ao cessar a contratação por um erro do gestor do contrato, na legislação atual transcorre de outra maneira. Na verdade, a nova Lei rompe com isso ao estabelecer que o contrato só termina quando o escopo estiver concluído. Portanto, observa-se que há uma preocupação com o benefício social daquilo que se quer entregar. É um movimento de ruptura com velhos dogmas criados com bases em leis antigas.