Saiba de quem é a competência pela inscrição em Dívida Ativa tributária
Apesar de ser uma tarefa comum dentro da Execução Fiscal, a responsabilidade pela inscrição em Dívida Ativa tributária — que se inicia após a constituição definitiva do crédito pela Secretaria da Fazenda ou de Finanças — costuma gerar dúvidas na administração pública. mas quando gestores entendem o que é Dívida Ativa, desfazem facilmente possíveis equívocos.
De forma simples, Dívida Ativa são contas que os contribuintes não pagaram para o governo municipal, estadual ou federal. Na maioria das vezes, essa conta é a de algum imposto pago para o Município (o IPTU, por exemplo), o Estado (IPVA) e a União (IR). O não pagamento, por consequência, inscreve o nome do contribuinte na Dívida Ativa, ou seja, em uma espécie de base de dados em que se mantém a lista de devedores.
Embora a maior parte dos débitos seja de tributos não pagos, nem todas as obrigações financeiras em aberto são de natureza tributária. Essas são as chamadas Dívida Ativa não-tributária. Por isso, outra questão é entender o que é Dívida Ativa tributária e o que é Dívida Ativa não-tributária, para saber de quem é a competência pela inscrição do débito.
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O que é Dívida Ativa tributária?
O Decreto-Lei n°. 1735/1979 define o que é Dívida Ativa tributária como sendo “o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas”.
Como é possível notar, a Dívida Ativa tributária carrega no nome o tipo de cobrança a que se destina: a de tributos que não foram pagos. Podem ser impostos, taxas e contribuições. Estão nessa categoria o IPTU, o ISS, o ITBI, o IPVA, o Imposto de Renda.
O que é Dívida Ativa não-tributária?
Com o foco na Dívida Ativa tributária, pouco surge a discussão sobre o que é a Dívida Ativa não-tributária. Mas o Decreto-Lei n°. 1735/1979, no mesmo artigo em que distingue o que é Dívida Ativa tributária, também define a Dívida não-tributária: são os demais créditos da Fazenda Pública; e a lista é extensa:
- empréstimos compulsórios;
- contribuições estabelecidas em lei;
- multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias;
- foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação;
- custas processuais;
- preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos;
- indenizações;
- reposições;
- restituições;
- alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
Basicamente, então, Dívida Ativa não-tributária são todos os débitos que não são tributos, ou seja, as dívidas não relacionadas a impostos.
O dever da cobrança da Dívida Ativa
Enquanto algumas gestões públicas atribuem a verificação da Dívida Ativa tributária e a continuidade da tarefa às Procuradorias, outras delegam-nas por completo às secretarias. Essa confusão, que exclui a Advocacia Pública da etapa administrativa e a aciona somente na esfera judicial, pode acarretar prejuízo aos cofres públicos.
Nenhum município quer perder arrecadação. Também, diferente de lidar com batalhas internas entre órgãos, preferem ter soluções. Uma possibilidade é estipular que o controle e análise de atuação de um órgão pode (e até deve) ser feito por outro dentro da própria administração pública. Essa definição traz ganhos, como garantir idoneidade à gestão municipal, estadual e federal.
Passo a passo da cobrança da Dívida Ativa tributária
Quando um contribuinte deixa de pagar um tributo ao município, a cobrança da Dívida Ativa pode ocorrer de duas formas: administrativa e judicial. A cobrança administrativa normalmente é feita pela própria Secretaria da Fazenda. Admite o parcelamento da Dívida e até a concessão de desconto para quitação do débito.
A cobrança da Dívida Ativa judicialmente é a forma de exigir o pagamento quando não há êxito no âmbito administrativo. A própria Secretaria da Fazenda, então, inscreve o contribuinte em Dívida Ativa. Nesse caso, é emitida a Certidão de Dívida Ativa (CDA), um documento extrajudicial que contém os dados do devedor, o valor e a natureza da dívida.
Depois, a Secretaria da Fazenda prossegue com a cobrança da Dívida Ativa por intermédio de um processo administrativo que contempla, dentre outros documentos, a CDA. Na sequência, encaminha esse processo à Procuradoria-Geral do Município, que é responsável pela cobrança judicial da Dívida Ativa. A Procuradoria, então, elabora uma petição inicial e insere, nessa petição, as informações presentes na CDA. A peça jurídica compõem, juntamente com a CDA, o “kit de ajuizamento”, que é encaminhado à Vara de Execuções Fiscais do Estado para que seja protocolado e se estabeleça o “Processo Judicial de Execução Fiscal”.
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A discussão em torno da inscrição em Dívida Ativa tributária
Os questionamentos acerca do prosseguimento da inscrição e cobrança da Dívida Ativa existem tanto na esfera municipal quanto na estadual.
Quem acredita que essa seja a atribuição de uma secretaria baseia-se em uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) de 2009, segundo explica o Procurador de Joinville (SC), Rafael Schreiber, em artigo publicado no site Consultor Jurídico (ConJur). Na ocasião, o órgão defendeu, nos termos do Artigo 24, inciso I, da Constituição Federal, que compete a cada ente político determinar, à sua livre escolha política, a autoridade responsável pela inscrição em Dívida Ativa.
Schreiber, que também é especialista em Direito Público pela LFG e em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sustenta que o primeiro argumento contrário a essa corrente está igualmente amparado pelo Artigo 24 da Constituição Federal. O Procurador cita os parágrafos 1º e 3º, que determinam: “no âmbito da legislação concorrente a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais e, inexistindo esta, os Estados exercerão a competência legislativa plena”.
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A norma geral da inscrição em Dívida Ativa tributária consiste na Lei 6.830 (Lei de Execução Fiscal – LEF), de 1980. A matéria postula a “cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras providências”, mas não especifica a atribuição. O Código Tributário Nacional, por sua vez, tampouco explicita a competência da atividade. O Artigo 201 somente estabelece que “a Dívida Ativa tributária deve ser regularmente inscrita na repartição administrativa competente”.
Contudo, dois dispositivos na LEF fortalecem o movimento em defesa da inscrição em Dívida Ativa tributária como de responsabilidade de um órgão jurídico, no caso as Procuradorias. No parágrafo 3º do Artigo 2º, consta que esse ato de inscrição se constitui no ato de controle administrativo de legalidade.
“Ora, se o controle administrativo deve necessariamente ser exercido por um outro órgão, autoridade ou poder, logicamente que não pode a Secretaria da Fazenda, que é competente para iniciar o procedimento fiscal tributário, autuando, julgando recursos preliminares e constituindo o crédito tributário, ser também o órgão que, depois, verifique a legalidade e legitimidade de todo o procedimento, com a inscrição da Dívida Ativa”, defende o Procurador Schreiber.
Já no parágrafo 4º do Artigo 2º, há uma norma específica que estabelece que a Dívida Ativa da União seja apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional. Essa decisão poderia aludir (ou pelo menos inspirar) Estados e municípios a envolver também as Procuradorias para exercer a tarefa.
Por que as Procuradorias devem participar da inscrição
Para além de toda a discussão possível a partir das legislações, a prática diária traz justificativas que colocam as Procuradorias como a instituição mais indicada para chancelar a inscrição em Dívida Ativa tributária. A primeira está relacionada à eficiência, já que o controle interno é mais eficaz, legítimo e gera mais confiança por parte do cidadão. Ainda mais em se tratando de uma Procuradoria composta por Procuradores concursados, e não por cargos políticos, como geralmente acontece nas Secretarias.
Trata-se, portanto, de uma dupla verificação feita por autoridades administrativas distintas (Secretaria da Fazenda e Procuradoria). Estas iniciam e encerram o procedimento respectivamente e acabam beneficiando tanto o poder público, quanto a sociedade. Como órgão jurídico autônomo, é a Procuradoria quem deve analisar juridicamente se prevalece o interesse do cidadão ou do governo na arrecadação, segundo o Procurador Schreiber.
“É natural que o mesmo órgão que autuou mantenha intacta sua decisão em caso de eventual recurso, ou até mesmo mantenha o ato inicial ‘inidôneo’ quando inexista recurso se ele mesmo inscrever em Dívida. É por isso que a lógica e o bom senso recomendam que esse controle e análise de atuação de um órgão seja feito por outro dentro da própria administração pública, a fim de conferir maior imparcialidade e acertos pelo próprio ente político”, explica.
A atuação da Procuradoria, a fim de evitar erros administrativos no ato da inscrição em Dívida Ativa, é importante para que os argumentos de defesa dos contribuintes no processo judicial não sejam acolhidos prontamente, como muitas vezes são. A ideia é que os Procuradores possam verificar eventuais ilegalidades, não só na esfera judicial, com a execução da Dívida Ativa já em curso, mas antes, dentro da própria esfera administrativa. Há redução, assim, das chamadas “ações viciadas”.
Tecnologia pode aprimorar comunicação entre as instituições
Todo esse trabalho é aprimorado nas Secretarias da Fazenda e Procuradorias que dispõem de tecnologia. Isso porque, em um sistema integrado, as CDAs são enviadas de forma digital do sistema de Dívida Ativa da Secretaria da Fazenda para o sistema de controle de processos da Procuradoria, sem a necessidade de autuação de processo administrativo para remessa.
Uma vez recebida a CDA, o sistema gera os kits de ajuizamento por meio de seleção inteligente das Certidões, que são agrupadas por devedor e filtradas por valor e prazo de prescrição.
As petições iniciais são produzidas de forma automática pelo sistema da Procuradoria, que mescla os dados das CDAs com o texto padrão da petição. Desse modo, todos os kits de ajuizamento são assinados digitalmente de uma só vez (uma única assinatura eletrônica, com uso de certificado digital, para todo o lote de documentos). O software da Procuradoria encaminha eletronicamente o lote de kits assinados para o sistema do Tribunal de Justiça.
Já no Tribunal, os kits se transformam em processos e os dados de ajuizamento (protocolo e número do processo) retornam digitalmente para o sistema da Procuradoria. Assim, lotes de CDAs são ajuizados em poucos minutos.
“Quanto mais separação [entre Procuradoria e Secretaria da Fazenda], mais prejuízo ao município e ao Procurador. O prazo que se acumula gera a chamada ‘dívida podre’, que é aquela difícil de ser cobrada”, comenta Alexandre Vedovelli, executivo do segmento de Justiça da Softplan.
A empresa desenvolve o SAJ Procuradorias, sistema de gestão de processos judiciais que ao ser implantado em Barueri (SP) aumentou em sete vezes o número de ajuizamentos. Ao todo, mais de 90 Procuradorias beneficiam-se com resultados como esse. Todas deram um passo em direção à transformação digital.