SAJ Entrevista: Qual é o impacto da universidade na carreira dos advogados públicos?
Você, procurador ou procuradora, considera que teve uma formação universitária compatível com os desafios enfrentados diariamente na Procuradoria onde atua?
Nenhuma faculdade de Direito é perfeita, principalmente se avaliado o impacto na carreira de advogados públicos, que demanda conhecimentos específicos e, principalmente, noções de gestão. Para refletir sobre esse assunto, entrevistamos a advogada e professora Betina Treiger Grupenmacher, que leciona na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) há 30 anos. A seguir, a especialista comente a respeito da falta de faculdades focadas na formação específica para as carreiras públicas.
Na esteira dessa realidade, Betina conta que restam aos professores explicar o papel dos advogados públicos no contexto de cada matéria ministrada. Ela também menciona quais são as disciplinas mais importantes para quem deseja ser procurador e acrescenta a importância das cadeiras optativas para suprir eventuais deficiências na formação.
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A influência da faculdade de Direito na formação de advogados públicos
Leia a entrevista na íntegra:
SAJ – As faculdades de Direito do país preparam bons procuradores?
Betina Grupenmacher – Penso não ser possível responder tal questão genericamente. Certamente, há faculdades de Direito que preparam seus alunos para as carreiras públicas de forma geral, inclusive para a de procurador, melhor do que outras. O fato é que não há faculdades voltadas especificamente à formação de carreiras públicas. Inclusive, há um projeto de credenciamento para faculdade de Direito no Estado do Paraná, que tramita no Ministério da Educação, cujo escopo é, especificamente, preparar os alunos para carreiras públicas. De qualquer forma, nós professores – é, ao menos, o meu caso – procuramos esclarecer, conforme o conteúdo ministrado, qual é o papel dos advogados públicos em relação à cada questão.
Sendo procurador, advogado do Estado, conceitualmente, podemos considerar que as faculdades que preparam bem seus alunos, viabilizam carreiras de sucesso, inclusive as públicas, entre as quais está a de procurador.
SAJ – Quais são as matérias e conhecimentos mais importantes da graduação para quem exerce ou exercerá a Advocacia Pública?
Betina Grupenmacher – Naturalmente, todas as matérias são importantes para quem exercerá a carreira pública. Digo isso pois os advogados públicos atuam em vários setores da Administração Pública e a formação integral e multidisciplinar é fundamental para o amadurecimento e para uma visão ampla do Direito e da Justiça. No entanto, além das matérias propedêuticas (introdutórias), que são essenciais a todos os alunos que cursam a faculdade de Direito, as matérias afetas ao Direito público, como Teoria do Estado, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro, Direito Tributário, Direito Econômico, Direito Ambiental, Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Processual Civil – entre outras, adotadas especificamente em algumas universidades que as agregaram aos seus currículos –, são, de fato, mais importantes para a Advocacia Pública.
SAJ – Quais são as principais deficiências da formação em Direito que impactam nas Procuradorias? Seria o caso de uma reforma curricular?
Betina Grupenmacher – Penso que não haja uma deficiência específica que possa impactar diretamente a formação de um futuro procurador. Com trinta anos de magistério superior, cheguei à conclusão que, inclusive no que diz respeito às “piores” faculdades, o comprometimento e a determinação do estudante podem mitigar, e muito, as deficiências do curso. Naturalmente, esse não é o ideal, mas posso dizer que conheço procuradores que, embora não tenham cursado uma “boa” faculdade, têm uma formação impecável fruto de seu esforço pessoal.
De minha parte, procuro imprimir ao Direito Tributário, um viés teórico-prático, que não faz parte, necessariamente, do método adotado na UFPR, mas que penso suprimir eventuais deficiências do curso em relação à formação de advogados públicos. Outra forma de afastar deficiências na formação do Direito, é a oferta de matérias opcionais que adotam programas específicos sobre várias áreas do Direito, inclusive aquelas de interesse dos alunos que pretendem seguir as carreiras públicas.
Quanto à reforma curricular, sim, ela é necessária, mas creio que nos últimos anos várias universidades já a promoveram e continuam permanentemente as adequando.
SAJ – A gestão, tão importante no dia a dia das Procuradorias, é ensinada na graduação ou em cursinhos preparatórios para concursos públicos? A tecnologia, na sua avaliação, pode suprir essa suposta lacuna em alguma medida?
Betina Grupenmacher – Realmente, esse é um problema sensível e que merece toda a atenção. Os advogados públicos que exercem funções de gestão, muitas vezes – quando não tiveram uma formação específica para tal fim na universidade ou por sua própria iniciativa –, encontram dificuldades para desempenhar um trabalho eficiente, o que, inclusive, é imposto pelo “caput” do artigo 37 da Constituição Federal. Não tenho dúvidas de que já urge que as Universidades criem disciplinas que preparem para noções básicas de administração de tempo, recursos e processos. O que é útil não apenas no setor público como também no privado.
É sabido que o grande problema da Administração Pública hoje, não só no Brasil mas em muitos outros países, é a deficiência na gestão pública. Tal aspecto é, inclusive, percebido pela sociedade que passou a eleger, em todo o mundo democrático, gestores do setor privado para cargos de chefia do Poder Público, fundados na crença de que aqueles que gerem bem uma empresa têm grande possibilidade de bem gerir o setor público. Certamente essa não é uma verdade absoluta, mas penso que o racional é muito similar e, quem sabe, de fato seja uma solução.
Sem dúvidas, a tecnologia pode ser uma importante e eficiente solução para os problemas de gestão pública. Aliás, já está sendo, e tal circunstância só tende a aumentar.
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SAJ – De que forma esses profissionais podem buscar complementação da formação?
Betina Grupenmacher – Penso que a complementação da formação profissional para o bom desempenho da carreira dos advogados públicos pode ocorrer antes ou após o ingresso na carreira.
O preparo para a realização do concurso é, em si, uma complementação importante. Considerando que hoje a aprovação em concurso é muito difícil, apenas com a demonstração de efetivo conhecimento do conteúdo o candidato tem sucesso no sentido de ingressar nos quadros da respectiva carreira. Depois do ingresso, a permanente atualização é fundamental, como em todas as carreiras, públicas ou privadas. O que pode ocorrer com a realização em pós-graduação strictu e latu sensu, cursos de extensão em temas afetos à atividade dos advogados públicos, congressos etc.
Você concorda com a visão da professora Betina? Nós, do SAJ, acreditamos que a tecnologia específica para o contexto das Procuradorias pode ser uma aliada dos advogados públicos, principalmente para dar conta da gestão dos processos (judiciais, mas não somente).