O que você deve saber sobre honorários sucumbenciais na advocacia pública

Atualizado em: 12/04/2024

Desde que entrou em vigor, há três anos, o Código de Processo Civil (CPC) jogou luz à discussão sobre o pagamento de honorários sucumbenciais na advocacia pública. Entre as dúvidas que costumam surgir em relação a esse assunto, estão a possibilidade de os procuradores receberem esses valores, a natureza da verba (se pública ou privada), além da questão da possibilidade ou não de ultrapassar o teto constitucional.

Este artigo visa esclarecer as principais questões sobre honorários sucumbenciais com base nas discussões do 1º Fórum de Debates da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM), sediado na Softplan, em Florianópolis (SC), durante o mês de agosto.

O que são os honorários sucumbenciais

Os honorários são a forma com que advogados são remunerados pela prestação de serviços. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estabelece que podem ser de dois tipos: convencionados e sucumbenciais. O primeiro, o honorário contratual, aquele combinado entre cliente e advogado e, segundo propõe o Estatuto da Advocacia e da OAB, deve ser pago em três etapas.

Já o segundo, o honorário de sucumbência, é pago pela parte contrária que sucumbiu, parcial ou totalmente, em relação ao advogado da parte vencedora. Em outras palavras, os honorários sucumbenciais são os valores pagos à defesa que ganhou pela defesa perdedora. A quitação ocorre tão logo aconteça a decisão judicial acerca de uma ação.

O impasse entre honorários de sucumbência e procuradores

A principal controvérsia em relação aos honorários de sucumbência para advogados públicos está no conflito entre o Estatuto da OAB e o regime dos servidores públicos. Enquanto o primeiro afirma que os honorários pertencem aos advogados, o segundo (Art. 37 inciso XI da Constituição Federal) estabelece que a remuneração de todo funcionário público não ultrapasse o teto.

Para o procurador de Belo Horizonte (MG) Cristiano Reis, presidente da ANPM, a advocacia pública segue um regime híbrido. Ou seja, obedece tanto ao Estatuto da OAB quanto às prerrogativas constitucionais que garantem a independência dos servidores públicos frente aos diversos governos (concurso público, estabilidade, remuneração, autonomia etc).

Para tentar sanar esse conflito, o CPC de 2015 especifica o seguinte em seu Artigo 85, parágrafo 19:

“Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.”

Porém, esse texto abre margem para interpretações em relação a última sentença: nos termos de qual lei? Isso embasa a criação, em muitas prefeituras, de leis municipais regulamentadoras dos honorários.

Verba de natureza pública ou privada?

Ainda existe, contudo, uma segunda controvérsia em relação aos honorários sucumbenciais. Seria essa verba pública ou privada? Se pública, então pertencem ao município, que passa a ter o poder de decidir se vai pagar ou não, além de definir como vai pagar. Automaticamente, também são submetidas ao teto de remuneração dos procuradores.

No entanto, se são constituídos por verba privada, os honorários de sucumbência devem ser pagos diretamente da parte perdedora no processo aos procuradores. Da mesma forma que ocorre para advogados particulares. Em sua palestra no Fórum de Debates ANPM, Reis defendeu que os procuradores municipais são advogados e defendem pessoas no sentido jurídico (no caso, o município) assim como os advogados privados.

“Independentemente da interpretação, precisamos construir uma base teórica sólida, para não ficarmos suscetíveis a decisões de base corporativa. Precisamos trazer esse debate para o campo do Direito”, concluiu durante o evento.

As tendências de jurisprudência

O procurador de Niterói (RJ) Raphael Serafim estabeleceu três principais tendências de jurisprudência para o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos municipais. A primeira delas é a de reconhecer a titularidade dos honorários aos procuradores. Ou seja, seguir o que dizem o Estatuto da OAB e o CPC de 2015 e garantir que essa verba seja direcionada aos procuradores municipais.

A segunda tendência de jurisprudência discute se o honorário será submetido ao teto de remuneração e a qual teto. Esse critério deriva da natureza do honorário: se é pública, automaticamente deve obedecer ao teto; se privada, pode tanto obedecer como não. Partindo do princípio que deve ser submetida ao teto, são três tendências secundárias: ao teto do prefeito (minoritária), ao teto de desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) (majoritária) e ao de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) (tem precedentes e pareceres a favor).

A terceira tendência apresentada por Serafim vai no sentido de reconhecer a natureza híbrida do honorário de sucumbência aos advogados públicos. Nesse sentido, os honorários são tanto um direito processual quanto material. Processual por ser estabelecido no âmbito de uma demanda judicial, cujo trâmite segue as normas processuais (CPC). E material por constituir direito alimentar do advogado e ser pago pela parte vencida ao advogado da parte vencedora.

Como resolver a situação?

Para além de aprofundar o debate no campo do Direito, os procuradores podem buscar alternativas práticas resolutivas do embate por ora. O rateio de honorários entre procuradores não só é viável como é a forma predominante nas Procuradorias. São poucas em que não há essa divisão, onde o procurador responsável pelo caso recebe integralmente, ou nem mesmo há o pagamento (o município é dono da verba).

Segundo uma pesquisa informal feita pelo procurador de Juiz de Fora (MG) e diretor de eventos científicos da ANPM Eduardo Floriano, em 134 municípios de 24 Estados, há mais de 20 formas de rateio diferentes. A opção predominante é com o pagamento feito pelo município e integralmente rateado entre todos os procuradores.

Depois, a mais comum é aquela com pagamento feito pelo município na forma de repasse à associação local de procuradores. Essa instituição faz um rateio parcial em que alguma porcentagem vai para investimentos na própria procuradoria. Já em outras procuradorias ouvidas no levantamento, a verba honorária é rateada até com aposentados.

O peso de uma lei municipal regulamentadora

Partindo do pressuposto de que os honorários sucumbenciais constituem verba pública na advocacia municipal, a criação de uma lei municipal regulamentadora pode trazer maior segurança jurídica aos procuradores. A partir do texto, o município pode receber os valores e criar um fundo para gerenciá-los.

Na sequência, é possível fazer o rateio, conforme as porcentagens específicas (integral ou parcial). A partir daí, pode-se também ou distribuir a verba para a conta da associação local de procuradores municipais (que faz o rateio), ou direto aos procuradores.

Quando considerado privado, os honorários sucumbenciais são pagos diretamente na conta da associação. Essa faz o rateio de acordo com seus critérios. Em alguns casos, os honorários são repassados diretamente na conta do procurador (mais comum em municípios em que há apenas um procurador).

“Se considerarmos o honorário como verba privada, é uma incoerência a criação de um fundo municipal para gerir”, ponderou Floriano em palestra no Fórum.

Assista às palestras do I Fórum de Debates da ANPM sobre honorários do procurador municipal:

Conclusão

O melhor mecanismo para se fazer cumprir o Art. 85, parágrafo 19 do CPC, é o mandado de injunção, na avaliação do procurador Raphael Serafim. Para embasar o ponto de vista, ele cita o caso da cidade de São João do Meriti (RJ), onde não havia lei municipal para regular o pagamento e muito menos o repasse era feito pela prefeitura.

Diante do mandado, o TJRJ reconheceu mora legislativa e impôs um prazo para a criação de uma lei para garantir o pagamento. Essa decisão teve o entendimento uniformizado no âmbito do Tribunal, ou seja, poderá ser estendida para casos análogos por decisão monocrática do relator.