Honorários de sucumbência a advogados públicos: o que é preciso saber
Os honorários de sucumbência a advogados públicos têm sido tema constante de debates e tramitações no universo jurídico. Se, por um lado, o pagamento nada mais é do que uma verba a ser paga pela parte vencida, por outro trata-se de um valor que deveria pertencer aos cofres públicos.
Assim, um número crescente de órgãos e entidades representativas têm se juntado à discussão sobre o mérito e a constitucionalidade do pagamento. Especialmente quando, há três anos, o Código de Processo Civil (CPC) jogou luz à discussão sobre o pagamento de honorários sucumbenciais na advocacia pública.
Entre as dúvidas que costumam surgir em relação a esse assunto, estão a possibilidade de os procuradores receberem esses valores, a natureza da verba (se pública ou privada), além da questão da possibilidade ou não de ultrapassar o teto constitucional.
Em 2018, o 1º Fórum de Debates da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM) foi um dos eventos que tentou esclarecer as principais questões sobre honorários sucumbenciais.
No início de abril de 2019, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) prioridade para que os honorários de sucumbência a advogados públicos fossem declarados como inconstitucionais. A PGR moveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 6053 ainda em dezembro de 2018, e o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, negou o pedido para suspender os dispositivos.
No entendimento de alguns, esses honorários são um direito dos advogados públicos que atuaram na ação. Já no de outros, é um pagamento que pode ser dispensado pelo fato de grande parte dos Procuradores serem profissionais de carreira no serviço público. Em todo o caso, um ponto importante é o que são os honorários sucumbenciais.
O que são os honorários sucumbenciais
Os honorários são a remuneração dos profissionais de advocacia, pagos depois da prestação dos serviços. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estabelece dois tipos de honorários:
Convencionados: é o honorário contratual, ou seja, o acordado entre cliente e advogado no momento da contratação dos serviços advocatícios. Segundo o Estatuto da Advocacia e da OAB, deve ser pago em três etapas.
Sucumbenciais: é o honorário pago ao advogado da parte vencedora. O pagamento é feito pela parte contrária na ação judicial, ou seja, aquela que sucumbiu, parcial ou totalmente. Em outras palavras, os honorários sucumbenciais são os valores pagos pela parte perdedora à defesa da parte que venceu a ação. A quitação ocorre logo após a decisão judicial.
Nesse contexto, entende-se que os honorários de sucumbência a advogados públicos é o valor pago ao procurador responsável pelo processo judicial, quando a decisão da Justiça concede ganho de causa ao Executivo. O responsável por realizar o pagamento desses honorários, em muitos casos, é a pessoa física ou jurídica contra a qual moveu-se a ação. É nessa questão que reside o impasse dos honorários sucumbenciais.
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O impasse entre honorários de sucumbência e procuradores
A principal controvérsia em relação aos honorários de sucumbência para advogados públicos está no conflito entre o Estatuto da OAB e a legislação federal. Enquanto o primeiro afirma que os honorários pertencem aos advogados, o segundo (Art. 37 inciso XI da Constituição Federal) estabelece que a remuneração de todo funcionário público não deve ultrapassar o teto.
Para o procurador de Belo Horizonte (MG), Cristiano Reis, presidente da ANPM em 2018, a advocacia pública segue um regime híbrido. Ou seja, obedece tanto ao Estatuto da OAB quanto às prerrogativas constitucionais que garantem a independência dos servidores públicos frente aos diversos governos (concurso público, estabilidade, remuneração, autonomia, etc.).
Assista: Palestra de Cristiano Reis Giuliani
Para tentar sanar esse conflito, o CPC de 2015 especifica o seguinte em seu Artigo 85, parágrafo 19:
“Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.”
Porém, esse texto abre margem para interpretações em relação a última sentença: nos termos de qual lei? Isso embasa a criação, em muitas prefeituras, de leis municipais regulamentadoras dos honorários.
Não por acaso, a Procuradoria-Geral da União moveu a ADI n.º 6053.
Honorários de sucumbência a advogados públicos: argumentos da PGR
A petição toma como base o parágrafo 19, do artigo 85 do Código de Processo Civil, e os artigos 27 e 28 a 36, da Lei 13.327/2016. Segundo os dispositivos, os honorários de sucumbência a advogados públicos podem ser pagos em causas que envolvam a União, autarquias e fundações.
A justificativa da Procuradoria-Geral da União (PGR) para a petição é que o pagamento de servidores federais só pode sofrer alterações por meio do Executivo. Além disso, destaca que a Lei 13.327/2016 não especifica os tipos de honorários sucumbenciais.
Segundo a PGR, há violação do parágrafo 4º, do artigo 39 da Constituição, em que é “vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória” a qualquer membro de Poder, detentor de mandato eletivo, Ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais por já serem remunerados exclusivamente por subsídio.
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Repercussão sobre os honorários de sucumbência nas entidades representativas
Em fevereiro de 2019, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi admitido como terceiro interessado na ação. Segundo a OAB, os honorários de sucumbência a advogados públicos são de natureza privada. Não são pagos pela parte vencida e não se caracterizam como remuneração.
Já a PGR alega que, apesar de a lei ser genérica quanto ao pagamento ser feito aos advogados, não seria motivo suficiente para transformar uma receita, que seria pública, em privada.
Após o pedido pela PGR para priorizar a declaração de inconstitucionalidade junto ao STF, outras entidades se manifestaram sobre o assunto. A Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni), por exemplo, se posiciona contra a Procuradoria-Geral.
Já a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) questiona as declarações da Anauni e de outros órgãos que se colocaram contra o pedido.
O Conselho Curador dos Honorários Advocatícios defende que o pagamento é verba privada e que há o respaldo do Estatuto da OAB, do novo Código de Processo Civil e da Lei 13.327/2016.
O Conselho informa que a distribuição dos honorários tem como objetivo tornar a gestão pública mais eficiente. Os valores repassados à entidade e distribuídos aos advogados constam no Portal da Transparência. Segundo o Conselho, para cada R$ 1 entregue aos beneficiários dos honorários, a União recebe R$ 780 mil.
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Entendimento sobre os honorários de sucumbência nas Procuradorias
A pressão da Procuradoria-Geral para que o STF analise o tema revela a necessidade de esclarecer as regras para os honorários de sucumbência a advogados públicos.
Para o caso das Procuradorias municipais, também se faz necessária uma regulamentação mais detalhada. As instituições trabalham pela eficiência da máquina pública, otimizando atividades, tanto por meio da tecnologia como pela área de conhecimento dos Procuradores. Nada mais justo do que ter regras mais claras sobre os honorários também.
O pagamento deve ter normas específicas que definam, por exemplo:
Natureza: se a verba é pública ou privada ou, ainda, de natureza híbrida quando se refere a advogados públicos.
Lei: definir qual lei ampara o pagamento. Hoje há respaldo do Estatuto da OAB e do novo CPC, mas há conflito com a Constituição Federal. No contexto das Procuradorias municipais, é preciso haver regulamentação de critérios e como o repasse deve ser feito.
Teto: se considerados como verba de natureza privada, os honorários de sucumbência a advogados públicos não fariam parte dos benefícios recebidos dentro do teto de remuneração. Mas, caso o sejam, podem ser enquadrados conforme cada carreira de Procurador.
Repasse: hoje em dia, Procuradorias municipais seguem diferentes procedimentos para fazer o repasse. Algumas recebem o valor integral e fazem o rateio aos procuradores. Outras enviam à associação local destes servidores.
Rateio: a exemplo das diferentes opções adotadas pelas Procuradorias municipais, também é preciso esclarecer como o rateio deve ser feito. Pode-se considerar, por exemplo, servidores aposentados ou somente os ativos; se parte da verba deve contemplar investimentos na estrutura da Procuradoria ou se o valor deve ir para um fundo para ser gerenciado.
A quem pertence os recursos e o que fazer com os pagamentos de honorários de sucumbência é uma outra questão muito discutida na advocacia pública.
Honorários de sucumbência são verba de natureza pública ou privada?
A principal dúvida em relação aos honorários sucumbenciais é: seria esse valor uma verba pública ou privada? Em caso de ser pública, significa que pertence ao município. Sendo assim, a administração pública é quem tem o poder para decidir se vai pagar os honorários ou não, além de definir como vai pagar. Automaticamente, o valor também é submetido ao teto de remuneração dos Procuradores.
Já se o entendimento é de que são constituídos por verba privada, os honorários de sucumbência devem ser pagos diretamente aos Procuradores, da mesma forma que ocorre para advogados particulares. Em sua palestra no Fórum de Debates da ANPM, o procurador Cristiano Reis argumentou que os procuradores municipais são advogados e defendem pessoas no sentido jurídico (no caso, o município) assim como os advogados privados.
“Independentemente da interpretação, precisamos construir uma base teórica sólida, para não ficarmos suscetíveis a decisões de base corporativa. Precisamos trazer esse debate para o campo do Direito”, concluiu durante o evento.
Assista: Palestra de Cristiano Reis Giuliani
Tendências de jurisprudência acerca dos honorários dos Procuradores
Não só o teto de remuneração deve constituir o debate, como também a titularidade dos honorários aos Procuradores e a sua natureza híbrida. Essa é a análise do procurador de Niterói (RJ), Raphael Serafim, sobre as tendências de jurisprudência acerca dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos municipais.
O Estatuto da OAB e o CPC de 2015, de certa forma, reconhecem a titularidade dos honorários aos procuradores. Portanto, o movimento seria no sentido de garantir que o pagamento seja direcionado aos Procuradores Municipais.
A questão do teto de remuneração e a definição de qual é esse teto tem um critério a considerar que é a natureza do honorário: sendo pública, automaticamente deve obedecer ao teto; sendo privada, pode tanto obedecer como não.
Em 2020, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram favoráveis ao pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos, somados às demais verbas remuneratórias, desde que não exceda o teto constitucional correspondente ao subsídio mensal pago aos ministros do STF (artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal). A decisão foi tomada em julgamento sobre a constitucionalidade do recebimento de honorários de sucumbência por procuradores dos Estados do Amazonas (ADPF 597), do Piauí (ADI 6159) e de Sergipe (ADI 6162).
O entendimento dos ministros traz luz a outro assunto envolvendo os honorários de sucumbência aos advogados públicos: ao fato de serem esses tanto um direito processual quanto material. Processual por ser estabelecido no âmbito de uma demanda judicial, cujo trâmite segue as normas processuais (CPC). Material por constituir direito alimentar do advogado e ser pago pela parte vencida ao advogado da parte vencedora. Segundo o STF, o recebimento dos honorários é próprio do ofício da advocacia, portanto, compatível com o regime de subsídios.
Divisão dos honorários dos Procuradores
Em muitas Procuradorias é feito o rateio dos honorários dos Procuradores. Uma pesquisa informal feita pela ANPM, em 2018, descobriu que existiam mais de 20 formas de divisão dos honorários nos 134 municípios em que foi realizado o levantamento. Contudo, a maneira predominante de rateio envolve o município, que efetua o pagamento, integralmente rateado entre todos os Procuradores.
A segunda forma de divisão mais usada é a que o município efetua o pagamento na forma de repasse à associação local de Procuradores. Assim, a instituição fica encarregada de realizar o rateio parcial e responsável por destinar uma porcentagem para investimentos na própria Procuradoria.
Por fim, há Procuradorias em que os honorários são rateados também com aposentados.
Regulamentação dos honorários de sucumbência dos Procuradores
Uma forma de evitar inadequações no pagamento dos honorários de sucumbência dos Procuradores é criar uma lei municipal regulamentadora. Sob a tutela da lei, é maior a segurança jurídica para os Procuradores. Especialmente quando os honorários são entendidos como verba pública.
Sendo esse o caso, a regulamentação é um instrumento para possibilitar ao município receber os pagamentos e criar um fundo para gerenciá-los e fazer o rateio, conforme as porcentagens específicas (integral ou parcial).
Um dos dispositivos da lei pode prever, por exemplo, a distribuição dos honorários para a conta da associação local de Procuradores municipais para que essa se responsabilize pela divisão dos honorários sucumbenciais dos Procuradores. Ainda, pode determinar que uma vez pagos, os honorários irão diretamente aos Procuradores.
No caso de os honorários de sucumbência dos advogados públicos serem considerados pagamento privado, a associação local é a única que intermedia o recebimento e o rateio desses honorários. Nesse caso, a divisão segue os critérios estabelecidos pela entidade. Significa que o Procurador pode receber o valor diretamente em sua conta.
Conclusão
É amplo e duradouro o debate em torno dos honorários de sucumbência de advogados.
Embora o Código de Processo Civil (CPC) pese sobre a discussão a respeito do pagamento de honorários sucumbenciais na advocacia pública, ainda há quem defenda que o ato é inconstitucional.
Para a Procuradoria-Geral da União (PGR), a cessão de honorários de sucumbência a advogados públicos viola a Constituição Federal. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) detém uma linha similar de pensamento.
Na outra ponta, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) discorda da PGR, assimi como a Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni).
Essas diferenças de entendimento entre entidades atuantes no setor público revela a necessidade de esclarecer as regras para os honorários de sucumbência de advogados públicos.
É preciso determinar a natureza do pagamento: será pública ou privada? Também, a titularidade dos honorários aos Procuradores e o teto de remuneração.
Muitas dessas questões já se estabeleceram. O Estatuto da OAB e o CPC de 2015, de certa forma, reconhecem a titularidade dos honorários aos Procuradores. Já o STF definiu o pagamento dos honorários sucumbenciais, somados às demais verbas remuneratórias, aos advogados públicos, desde que não exceda o teto constitucional correspondente ao subsídio mensal pago aos ministros do STF (artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal).
Portanto, para alguns dos principais temas do debate sobre os honorários de sucumbência a advogados públicos já há tese definida. Cabe, agora, regulamentar em âmbito local como proceder o pagamento desses valores aos Procuradores a quem são devidos.