Desjudicialização da Execução Fiscal e terceirização da execução da Dívida Ativa
O debate acerca da desjudicialização da Execução Fiscal esteve entre os temas abordados no 2º Congresso Brasileiro Virtual de Procuradores Municipais (CBVPM).
Atualmente, a cobrança da dívida ativa é disciplinada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Código de Processo Civil (CPC). Mas, segundo a Procuradora do Município de Niterói (RJ), Denize Galvão Menezes Sampaio de Almeida, “é bom sublinhar que apesar de a LRF ter sido editada para haver uma cobrança mais eficiente, não é o que acontece na prática”.
Para a Procuradora, as formalidades, em muitos vezes, são as mesmas de antes. “Às vezes, a demora é tanta para avaliar um bem, por exemplo, que esses longos intervalos geram maior chance de haver dilapidação do patrimônio do devedor”, observou.
Por essa razão, Denise Almeida disse que é possível concluir que o procedimento previsto na LRF não difere de uma execução ordinária. “É justamente sobre este aspecto que se constata um cenário generalizado de ineficiência. Isso faz com que os processos de Execução Fiscal sejam responsáveis pelas altas taxas de congestionamento do Poder Judiciário”, recordou.
Sem os processos fiscais, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia em 6,1 pontos percentuais, passando de 73% para 66,9% em 2020. Assim, o tempo médio de tramitação do processo baixado na fase de execução cairia pela metade – dos atuais 6 anos e 1 mês para 3 anos. A estimativa é do relatório Justiça em Números 2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A partir dessa perspectiva, compreende-se facilmente o que é desjudicialização e os motivos para torná-la possível. Em resumo, é o caminho oposto daquele em que o Poder Judiciário precisa ser acionado como única possibilidade de acesso à Justiça. A desjudicialização tem como proposta deixar nas mãos dos agentes da administração (funcionários públicos) a cobrança da obrigação tributária.
Dessa maneira, todo sistema de solução dos conflitos tributários torna-se atribuição do Estado-Administração e reserva-se ao Poder Judiciário intervir somente em casos de lesão ou ameaça de direito. Sendo assim, a desjudicialização da Execução Fiscal é o que permite a redução do volume de processos na Justiça brasileira e a desobstrução do Judiciário. É, portanto, um meio alternativo de solução de conflitos e de acessar a Justiça.
Diante desse cenário, o movimento atual é o de incentivar o uso do protesto extrajudicial – e outros mecanismos que se pretendem – para a cobrança de Dívida Ativa nos próximos anos. Até porque, em muitos casos, a recuperação dos créditos nem sempre compensa o gasto de energia e os custos de manutenção da atividade no Judiciário.
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Melhor instrumento de desjudicialização da Execução Fiscal
A crença na indispensável necessidade da figura de um Juiz para intervir e garantir que governos recebam o que lhes é devido é o que torna necessária a existência de instrumentos para a desjudicialização da Execução Fiscal. Segundo análise da Procuradora Denize Almeida, a razão para se ter desenvolvido tal dependência é porque “em um primeiro momento, tinha-se a ideia do processo com a finalidade de haver uma sentença justa e adequada”.
Esse entendimento resultou no diagnóstico de ineficiência da Execução, devido à centralização na figura do Juiz”. “Não faz sentido”, avaliou Denize. “O Juiz é um garantidor do devido processo legal, dos direitos do jurisdicionado. Não deveria ser papel do Juiz praticar atos tão simples como realizar um BacenJud, enviar um ofício de informações, participar de todos os atos nessa cadeia extensa”.
Para a Procuradora, “é importante que se entenda a Execução como uma série de atos que podem ser praticados por diversos personagens”. Significa dizer que há como compor um conflito fora da esfera judicial, desde que as partes envolvidas sejam juridicamente capazes de fazê-lo. Isso reforça o fato de que uma composição justa de conflito não é algo sentenciado somente por um Juiz. “Quando as partes combinam algo, é muito mais eficiente”, afirmou Denize Almeida.
Rapidez, efetiva satisfação do credor, garantia dos direitos fundamentais do devedor são os maiores benefícios de o que é desjudicialização da Execução Fiscal. “O difícil é encontrar um modelo que consiga efetivar esse sonho de Execução”, refletiu a Procuradora.
Enquanto ainda são estudadas as alternativas, há um ponto principal a ser levado em consideração, de acordo com Denize Almeida. A condução da execução deve ser realizada por um auxiliar Judiciário qualificado, com ampla condição de avaliar os bens e pagar o credor. “Importante ressaltar que a descentralização não pode excepcionar o devido processo legal. Exequente e exequendo tem de estar diante de um órgão que seja imparcial, independente e distante. Isso é inegociável”, ressaltou.
O que a Procuradora defende é que a Execução não seja necessariamente efetivada pelo Juiz, e sim por um terceiro imparcial, independente e equidistante de ambas as partes. Assim, garante-se que os atos de constrição serão realizados de forma justa, honesta e destacada de qualquer interesse ou influência.
Mas até que um formato seja validado e regulamentado, o que pode ser feito é atuar com não apenas um único instrumento de desjudicialização da Execução Fiscal, e sim diversas iniciativas que podem conferir celeridade à cobrança da Dívida Ativa.
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1. Limitar ajuizamentos
Um dos mecanismos para a desjudicialização da Execução Fiscal é definir um valor mínimo para os ajuizamentos. Essa foi uma das primeiras ações realizada pela Procuradoria de Santo Antônio de Jesus (BA) para aumentar a arrecadação. O Procurador Edmilson Lobo Maia Filho enviou à Câmara de Vereadores um projeto de lei que definia um valor mínimo para a cobrança de Dívida Ativa. “A obrigação do procurador fiscal não é ajuizar ações, mas arrecadar”, justificou na época.
Somado ao apoio de um software especializado na gestão de Procuradorias, a estratégia adotada para contornar a situação e conquistar uma cobrança mais efetiva dos tributos resultou em uma arrecadação 16% maior somente no intervalo de um ano.
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2. Protesto extrajudicial da Dívida
O uso do protesto extrajudicial da Dívida também é um meio de desjudicializar a Execução Fiscal. “O rápido crescimento dessa prática assustou os devedores, que passaram a impugnar a constitucionalidade desse procedimento”, comentou a Procuradora de Niterói, Denize Almeida. Segundo ela, um dos pontos que fez com que o protesto fosse tão eficiente é o fato de não depender de uma tutela jurisdicional.
O protesto é executado via cartório. A Lei n.º 12.767/12, que introduziu o parágrafo único no artigo 1º da Lei n.º 9.492/97, inclui entre os títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. Consequentemente, o nome do devedor é incluso no cadastro de inadimplentes para compeli-lo a efetuar o pagamento no âmbito administrativo.
A legislação reforça a premissa do protesto ser um instrumento de desjudicialização que permite relegar ao Judiciário somente os conflitos que não há como resolver por outro meio de composição. Em termos de resolutividade, os atos praticados nos cartórios são solucionado em dias ou meses.
“Mas apesar de todas essas mudanças e novidades que surgiram no ordenamento nas últimas décadas, o processo de Execução é o que mais teve sucessivas reformas”, lembrou a Procuradora.
3. Conciliação
A solução consensual de litígios no âmbito administrativo, por intermédio da utilização de meios alternativos à seara judicial para dirimir conflitos, é um modo possível de buscar a renegociação da Dívida. Segundo artigo publicado no ConJur, o município do Rio de Janeiro (RJ), com o Concilia Rio, obteve um resultado histórico em termos de arrecadação em 2019, em comparação com os três anos anteriores.
O programa concedeu descontos de até 100% em multas e encargos para o pagamento de dívidas de IPTU, ISS, ITBI, além de taxas e multas. O contribuinte ainda podia optar por parcelar o débito em até 48 vezes.
4. Cadastro de inadimplentes
A Procuradoria Municipal, Estadual, Federal, de Autarquia ou Universidade pode realizar a inscrição do devedor em cadastro de inadimplente no caso de a dívida não ser regularizada em até 75 dias após a comunicação sobre a existência de débito. No entanto, é necessário que Estados e Municípios criem os próprios cadastros informativos de débitos por intermédio da uma lei.
É uma forma de garantir a efetivação da Execução Fiscal tanto extrajudicialmente, em procedimento administrativo preparatório ao ajuizamento, quanto judicialmente, após a Dívida ser ajuizada.
Tecnologia como aliada da desjudicialização da Execução Fiscal
Um fato é que as Procuradorias precisam estar devidamente municiadas de recursos para a Administração Pública dispor de outros meios para executar diretamente os seus respectivos créditos, sem acionar o Poder Judiciário. Um desses recursos é a adesão a soluções tecnológicos que sejam eficientes na cobrança de dívidas. Principalmente porque são muitas as dificuldades que a gestão pública enfrenta:
- cadastros de contribuintes desatualizados ou com informações incompletas;
- poucos servidores nos quadros para atuação nas fases anteriores ao ajuizamento das demandas;
- uma natural dificuldade na capacitação dos servidores que atuam na matéria;
- restrições orçamentárias;
- sistemas lentos, ruins e atrasados.
São fatores que ocasionam uma demora que extrapola o razoável para a adoção das providências administrativas capazes de levar ao ajuizamento das Execuções Fiscais. Não raras vezes, ocasionam a prescrição da Dívida. Nesse contexto, a tecnologia apresenta-se como aliada para agilizar a cobrança e promover maior arrecadação, reduzir a alta demanda de trabalho e oferecer suporte com a Inteligência Artificial.
Maior arrecadação
A transformação digital proporcionada pelo uso da tecnologia na advocacia pública tornou possível à Procuradoria do Município de Barueri (SP) aumentar em sete vezes o número de ajuizamentos no período de um anos.
A autonomia técnica e recursos disponíveis para investir permitiu à instituição informatizar a Procuradoria e mudar a cultura de resultados.
De um ano para o outro, a partir da contratação do SAJ Procuradorias, a Procuradoria de Barueri elevou de 1.235 para 8.727 o número de ajuizamentos de Execuções Fiscais.
Sobrecarga de trabalho
É de conhecimento geral que a atual estrutura organizacional e administrativa dos órgãos públicos não consegue atender sequer as atividades de sua competência originária, o que torna questionável a possibilidade de assumir novas demandas. Justamente essa era a realidade da Procuradoria Municipal de Atibaia (SP).
Sem um software para gestão de processos, mais a necessidade de atuar no modelo de teletrabalho, os assessores sentiam-se sobrecarregados. Por essa razão, solicitavam a contratação de mais servidores. Mas a decisão foi outra: contratar o SAJ Procuradorias. Isso não só acabou com a percepção de excesso de trabalho como motivou a digitalização do acervo físico para tornar mais ágil a cobrança de Dívida Ativa.
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Suporte da Inteligência Artificial
Um entrave comum às Procuradorias é a dificuldade em localizar o devedor. Nessa questão, a tecnologia torna-se uma ferramenta oportuna para a instituição. Especialmente porque pode ser desenvolvida especificamente para enriquecer e higienizar informações relacionadas aos devedores.
A integração das informações, provenientes de bancos de dados de instituições – como Receita Federal, Serasa, Registro de Imóveis -, via aplicação de Inteligência Artificial (IA) viabiliza o acesso eletrônico para conhecimento de patrimônio, renda, endereços, entre outras informações pertinentes dos contribuintes em débito. Com isso, a investigação dos bens ocorre de maneira mais eficiente, de modo a impedir que o devedor tributário omita o patrimônio para não pagar a Dívida.
Enfim, a tecnologia e as ferramentas de IA colaboram para a Administração Pública dispor dos meios coercitivos necessários para identificar e localizar o executado ou corresponsável, verificar a existência de bens, direito e atividade econômica, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
Conclusão
O processo de execução tem características próprias, que o distingue do processo de conhecimento. Por essa razão, a Procuradora do Município de Niterói (RJ), Denize Galvão Menezes Sampaio de Almeida, reiterou que a Execução Fiscal precisa ser realizada com maior discricionariedade.
“O incremento da realização processual, com a inserção de novos agentes, é muito benéfico para a Execução. Por esse motivo, a desjudicialização da Execução Fiscal se mostra eficiente para fins de cobrança da Dívida Ativa”, reforçou.
Por fim, Denize afirmou: “O essencial e indiscutível é que cabe aos Procuradores todo o processo. O acompanhamento é da Procuradoria”. Mais uma razão para que os órgãos e entes da Administração Pública aperfeiçoem os mecanismos de cobrança. Efetivar o protesto extrajudicial e utilizar os meios alternativos à solução judicial requer o uso de recursos tecnológicos que possam dar suporte às demandas.
Os principais beneficiados pela inserção de novas tecnologias jurídicas e softwares na Administração Pública são os próprios jurisdicionados. Primeiro porque, a médio ou longo prazo, ocorre um incremento na arrecadação que se reverte em benefícios para toda a sociedade. Em segundo, porque a atuação mais racional e organizada da Administração pode impedir o desnecessário dispêndio de recursos financeiros para ajuizar Execuções sem a menor chance de êxito.